“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.”(Nelson Mandela)


segunda-feira, 2 de abril de 2012

Entrevista da jornalista brasileira Carla Rodríguez com  a filósofa espanhola Alicia Puleo .
Publicado em 13 de março de 2003/Acesso em 02/04/2012.

Se hoje é considerado natural que as mulheres estudem, trabalhem e sejam donas das suas próprias vidas, princípios que estão presentes mesmo em famílias conservadoras, é por que o feminismo produziu, ao longo dos últimos 40 anos, uma revolução silenciosa e pacífica, capaz de mudar o padrão de comportamento de homens e mulheres nas sociedades ocidentais. Conceder este mérito ao feminismo é a única maneira de garantir que novas conquistas sejam realizadas. É com este o argumento que a filósofa espanhola Alicia Puleo defendeu, na sua passagem pelo Brasil, na semana passada, a valorização do feminismo como forma de melhorar a sociedade como um todo, e não apenas como instrumento de fazer justiça às mulheres. Alicia participou de um ciclo de conferências promovido pela Cordenadoria Especial da Mulher da Prefeitura de São Paulo, onde defendeu a aproximação entre ecologistas e feministas. Nesta entrevista, ela mostra por que as teorias que explicam as diferenças entre homens e mulheres apenas através da biologia são conservadoras e avisa: “Ouvir a voz das mulheres é importante para melhorar toda a sociedade”.


Por que as teorias naturalistas são contra a emancipação das mulheres?
Tradicionalmente, em nome da natureza, se tem justificado a divisão sexual do trabalho que prendia as mulheres nas tarefas de reprodução da espécie e com os cuidados do lar, e dava aos homens amplas possibilidades de ação no trabalho assalariado e na criação cultural. Mesmo que pareça mentira, ainda hoje se procuram legitimações biológicas de muitas diferenças sociais de gênero.

Como assim?
Quando as pesquisas encontram indícios de alguma diferença de aptidão ou de comportamento produzidas, por exemplo, pelos hormônios, são rapidamente comunicados à imprensa. Mas quando não aparecem diferenças e a hipótese naturalista de partida não é comprovada, então não se diz nada, dando a impressão de que predominam os estudos que conseguem provar estas diferenças. Na realidade, é ao contrário. Acredito que não devemos esquecer que tanto homens como mulheres são corpos, são natureza. Com isso quero dizer que não devemos temer as pesquisas, apenas as pesquisas parciais. Este é geralmente o problema das teorias de corte naturalista: esquecer o aspecto cultural, construído, que modela a base biológica. Ao deixar de lado este aspecto, o que é produto das relações de poder históricas se converte em traço natural e destino biológico. Desta forma, a teoria naturalista funciona como um discurso ideológico de legitimação do sistema sexo-gênero.



A sra. acredita que os avanços do feminismo dependem da valorização do passado do movimento?
Com o feminismo acontece algo muito curioso: não se reconhece seus méritos. Nos últimos 40 anos, mudamos a organização dos sexos nas sociedades ocidentais com uma revolução pacífica e silenciosa. Mas todas estas mudanças nas relações entre os sexos foram apenas parte da evolução da própria sociedade, sem que tenha havido necessidade de nenhuma reivindicação. O que propunha Betty Friedman na metade dos anos sessenta – que as mulheres poderiam compatibilizar uma vida familiar com uma atividade no mundo do trabalho assalariado, com a cultura e com a política – hoje em dia é assumido como normal inclusive nas famílias mais conservadoras, que fazem suas filhas estudarem pensando que, além de casar, exercerão uma profissão. O que era escandaloso já parece normal.



Isso quer dizer que o feminismo perdeu sua razão de existir?
Mas não conseguimos tudo. Esquecer que foi o feminismo que conseguiu todas estas mudanças faz parte de uma negação da necessidade de mudar outros aspectos que estão pendentes. Por isso é importante conhecer a história do movimento. Quem não conhece sua história, adquire consciência com maior dificuldade. Uma vez, uma professora de uma universidade me disse: “Não devo nada ao feminismo”. Contestei: “Sua primeira dívida é ter estudado e poder trabalhar aqui. Antes, isso não era permitido.” As mulheres que negam e renegam o feminismo estão negando sua própria história, sua própria identidade e nosso futuro em comum.



Por que hoje os problemas das mulheres são também problemas sociais?
Os problemas das mulheres são de várias ordens: de acesso aos recursos, que em cifras globais mundiais se dá de forma absolutamente inferior aos homens, de reconhecimento, por que a cultura ainda tem um traço masculino muito profundo, de violência de gênero, porque o número de mulheres vítimas de violência e assassinadas é enorme em todo o mundo, ainda que seja pior em países com problemas econômicos, de representação política. Todos estes problemas estão ligados uns aos outros por laços e por causas bidirecionais. Em uma palavra, se retro-alimentam. Quanto maior dificuldade de alcançar um salário digno, mais as mulheres terão que suportar a violência de gênero e menos poderão ter tempo de corrigir e transformar a cultura. Por sua vez, se a cultura seguir repetindo os mesmos tópicos patriarcais, mais dificuldade teremos para fazer com que diminua a violência de gênero, para aumentar nosso reconhecimento social, para alcançar postos de decisão política e conseguir trabalho com salários dignos. A situação das mulheres, que são a metade da humanidade, é uma questão de justiça social que se justifica por si só. Se a isso acrescentarmos que a inclusão da voz das mulheres pode melhorar a sociedade em seu conjunto, teremos uma razão a mais para apoiar velhos e novos pontos de nossa agenda.



Extraída do sítio www.fyl.uva.es/~wceg/Ouçam%20a%20voz%20das%20mulheres.doc, acesso em 01/04/2012.
Postado por: Anair Gomes Rocha, Vandeti Krauser, Andreza da Penha dos Reis, Stephanie Maier Ahnert, José Renato Coan

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