“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender; e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.”(Nelson Mandela)


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Na fila da adoção - Das 26 mil famílias que aguardam na fila da adoção, mais de um terço aceita apenas crianças brancas


Três anos após a criação do Cadastro Nacional de Adoção, as crianças negras ainda são preteridas por famílias que desejam adotar um filho. A adoção inter-racial continua sendo um tabu: das 26 mil famílias que aguardam na fila da adoção, mais de um terço aceita apenas crianças brancas. Enquanto isso, as crianças negras (pretas e pardas) são mais da metade das que estão aptas para serem adotadas e aguardam por uma família.
Apesar das campanhas promovidas por entidades e governos sobre a necessidade de se ampliar o perfil da criança procurada, o supervisor da 1ª Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, Walter Gomes, diz que houve pouco avanço. "O que verificamos no dia a dia é que as família continuam apresentando enorme resistência [à adoção de crianças negras]. A questão da cor ainda continua sendo um obstáculo de difícil desconstrução."
Hoje no Distrito Federal há 51 crianças negras habilitadas para adoção, todas com mais de 5 anos. Entre as 410 famílias que aguardam na fila, apenas 17 admitem uma criança com esse perfil. Permanece o padrão que busca recém-nascidos de cor branca e sem irmãos. Segundo Gomes, o principal argumento das famílias para rejeitar a adoção de negros é a possibilidade de que eles venham a sofrer preconceito pela diferença da cor da pele.

"Mas esse argumento é de natureza projetiva, ou seja, são famílias que já carregam o preconceito, e esse é um argumento que não se mantém diante de uma análise bem objetiva", defende Gomes. O tempo de espera na fila da adoção por uma criança com o perfil "clássico" é em média de oito anos. Se os pretendentes aceitaram crianças negras, com irmãos e mais velhas, o prazo pode cair para três meses, informa.
Há cinco anos, a advogada Mirian Andrade Veloso se tornou mãe de Camille, uma menina negra que hoje está com 7 anos. Mirian, que tem 38 anos, cabelos loiros e olhos claros, conta que na rotina das duas a cor da pele é apenas um "detalhe". Lembra-se apenas de um episódio em que a menina foi questionada por uma pessoa se era mesmo filha de Mirian, em função da diferença física entre as duas.

"Isso [o medo do preconceito] é um problema de quem ainda não adotou e tem essa visão. Não existe problema real nessa questão, o problema está no pré-conceito daquela situação que a gente não viveu. Essas experiências podem existir, mas são muito pouco perto do bônus", afirma a advogada.
Hoje, Mirian e o marido têm a guarda de outra menina de 13 anos, irmã de Camille, e desistiram da ideia de terem filhos biológicos. "É uma pena as pessoas colocarem restrições para adotar uma criança porque quem fica esperando para escolher está perdendo, deixando de ser feliz."

Para Walter Gomes, é necessário um trabalho de sensibilização das famílias para que aumente o número de adoções inter-raciais. "O racismo, no nosso dia a dia, é verificado nos comportamentos, nas atitudes. No contexto da adoção não tem como você lutar para que esse preconceito seja dissolvido, se não for por meio da afirmatividade afetiva. No universo do amor, não existe diferença, não existe cor. O amor, quando existe de verdade nas relações, acaba por erradicar tudo que é contrário à cidadania", ressalta.
Fonte: Agência Brasil
Amanda Cieglinski, texto extraído de:http://www.geledes.org.br/racismo-preconceito/racismo-no-brasil/12066-na-fila-da-adocao-das-26-mil-familias-que-aguardam-na-fila-da-adocao-mais-de-um-terco-aceita-apenas-criancas-brancas, acesso em: 28/11/2011.

2011 foi o ano Internacional do Afrodescendente e este continua menosprezado


A ONU estabeleceu 2011 como o ano internacional do afrodescendente. As efemérides são, somente na aparência, momentos de comemoração. Na realidade, devem ser momentos de reflexão, de denúncia e de avaliação de perspectivas. Destaquem-se alguns pontos a repensar.
1. Mestiçagem, construção da nação e identidade. Predominou no Brasil a valorização de uma união nacional, que seria a confluência -pacífica, cordial e amistosa- entre brancos, negros e indígenas, num ideal de mestiçagem que seria, por sua vez, o contraponto de experiências dolorosas como o Jim Crow dos Estados Unidos ou o apartheid da África do Sul. Mas sempre foi um ideal de "mestiço" tanto mais aceitável quanto mais próximo fosse do branco europeu que do indígena ou do negro vindo da África: foi muito mais uma aculturação eurocentrada e de branqueamento. Marisol de la Cadena destaca, contudo, que na denominada América Latina conviveram tanto a hibridação empírica (mescla de sangues) quanto a hibridação conceitual.
A própria categoria de "mestiço", como recorda Boaventura Santos, oculta inúmeras diferenças sociais, de tal forma que "ao lado do indígena-branco coexistiu sempre o mestiço-índio e que suas relações reproduziram, fundamentalmente, a diferença colonial e racial". Daí porque este autor afirma que deve se trocar o mestiço como amálgama pelas expressões mais oprimidas de mestiço.
A questão se torna mais importante ainda, quando se tem em conta que: a) o "casal ideal" brasileiro foi sempre tido como uma dupla formada por um homem branco e uma mulher mulata e, pois, associando masculinidade e brancura e, ao revés, feminilidade e negritude, de um lado ocultando a presença indígena e, de outro, salientando a construção heterossexual da nacionalidade; b) estão a celebrar-se, por todo o continente, inúmeros "bicentenários" de independência e, pois, momentos de repensar a construção do imaginário nacional, desconstituir identidades e descolonizar as próprias relações sociais. A luta antirracista é, neste ponto, também uma luta contra sexismo, colonialismo e homofobia.
2. Diáspora africana e o tráfico de escravos. Ao contrário dos indígenas que foram considerados "povos originários", os negros foram trazidos ao continente em decorrência do processo de escravidão, divididos em suas comunidades quando aqui chegaram e produzindo-se formas de separação como mecanismos de melhor dominação, procurando-se evitar sublevações. A luta antirracista, vista desde o Sul, deve envolver-se com os processos de combate ao racismo realizados também em outras partes do mundo, incluindo-se o Atlântico Norte, de forma a amalgamar as experiências da pregação cristã de Luther King e da crítica, por meio de direitos humanos, de Malcolm X, com as formas de amefricanidade de Lélia Gonzalez e do quilombismo do recém falecido Abdias do Nascimento. Mas também as experiências descolonizadoras realizadas no continente africano. O tráfico de escravos deve recordar as "modernas" formas de opressão, que envolvem: a) a persistência de formas de escravidão por dívida, em inúmeras fazendas espalhadas pelo Brasil; b) o tráfico de pessoas, de órgãos e a mercantilização da vida, que se torna de nenhum sentido; c) a geopolítica atual que incrementa o ódio a imigrantes e muçulmanos e que não pode esquecer que, nos Estados Unidos, o endurecimento de leis contra a imigração ocorre justamente nos Estados que foram os mais ferrenhamente escravocratas. A luta, aqui, envolve uma sinergia entre distintas lutas antirracistas- de Sul e Norte- com o combate à xenofobia e à islamofobia (recorde-se que a luta anti apartheid se deu, fundamentalmente, com apoio da comunidade muçulmana da África do Sul).
3. Biodiversidade e meio ambiente. Estima-se que 75% da biodiversidade no continente americano esteja concentrada em terras habitadas por povos indígenas e populações tradicionais (aqui, incluídas as comunidades quilombolas e afro-ameríndias). O que significa reconhecer um forte componente étnico-racial na preservação do meio ambiente, uma pluralidade de formas de propriedade (que não se reduzem à propriedade privada ocidental) e, portanto, uma imensa cobiça por parte de grandes latifundiários, mineradoras, indústrias de celulose para retirar o caráter de inalienabilidade de tais terras e, pois, incluí-las no mercado. A luta envolve um forte componente de antirracismo associado a diversas formas de preservação ambiental (e mesmo coalizões de "buen vivir" e modos africanos de sustentabilidade) e ao questionamento do sistema capitalista, ainda mais se considerando que 2011 também é o ano internacional das florestas e que estamos às vésperas de Rio +20.
4. Educação e produção de conhecimento. Se os indígenas iniciaram questionando a educação com o bilinguismo, os afrodescendentes insistiram em políticas públicas de ações afirmativas. Hoje, os dois movimentos avançam no sentido de uma forte interculturalidade, no reconhecimento de autonomias ou de plurinacionalidade, mas também de questionamento do próprio currículo (educações especiais indígenas ou quilombolas), de introdução de "epistemologias outras" e de revisão de privilégios históricos. Como diz Katznelson, há que se reconhecer que, durante muito tempo, a ação afirmativa foi "branca"; recorde-se que, ao introduzir a compra como forma de aquisição de propriedade, a Lei de Terras de 1850 não fez nada menos que excluir toda a população negra- ainda escrava- do seu acesso. Do que se trata, pois, é, como salientam Catherine Walsh, Schiwy e Castro-Gomez, de indisciplinar, no sentido de: a) fazer "evidente o disciplinamento, a dis­ciplina e as formações disciplinárias que se vem construindo nas ciências sociais, desde o século XIX e fazer ressaltar seu legado colonial"; b) antes que ignorar ou menoscabar as ferramentas teóricas ou con­ceitos centrais das ciências sociais, fazê-las comunicarem-se e "repensar sua utilidade ou seus efeitos sobre as relações coloniais, perguntando até que ponto estas ferramentas per­petuam a ló­gica vigente"; c) buscar modificações e ajustes às ferramentas e conceitos do pensar moderno e, quando seja necessário, também alternativas frente ao mundo moder­no/coloni­al; d) reconhecer outras formas de co­nhecimento, "particularmente os conheci­mentos locais produzidos a partir da diferença colonial e os cruzamentos e fluxos dialógi­cos que podem ocorrer entre eles e os conhecimentos disciplinários". A luta antirracista é, vista assim, uma luta contra o epistemicídio e os diversos colonialismos internos.
5. Tratados internacionais. O ano internacional coincide com os 20 anos da Convenção 169-OIT, que deu novo tratamento para os povos indígenas e populações tradicionais; passados dez anos de Durban e, pois, do reconhecimento da escravidão, da colonização e do tráfico de escravos como males da humanidade; e também às vésperas de 20 anos da Conferência de Viena que reafirmou a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos. A luta, aqui, não é somente para a ampliação dos direitos humanos, mas, fundamentalmente, da revisão da própria base em que estes se fundamentam e que têm conferido, na prática, a qualidade de "humanos" a certos indivíduos, reduzindo outros a sub humanidade ou mesmo inumanidade.
Fonte: DE LA CADENA, Marisol. ¿ son los mestizos híbridos? las políticas conceptuales de las identidades andinas. Universitas Humanística , (61), enero-junio 2006, p. 51-84.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Refundación del Estado en América Latina; perspectivas desde una epistemología del Sur. Lima: Instituto Internacional de Derecho y Sociedad, julio de 2010, p. 101 e 102.
BALDI, César Augusto. Racismo, consciência negra e direitos humanos. Consultor Jurídico, 30 de dezembro de 2010. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-dez-30/constitucionalismo-intercultural-reconhecer-questao-diversidade
KATZNELSON, Ira. New Deal, Raw Deal. How aid became affirmative action for whties. Washington Post.27 september 2005. Disponível em: http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2005/0http://whoisshe.wmf.org.eg/expert-profile/mona-abaza9/27/AR2005092700484.html
WALSH, Catherine, SCHIWY, Freda & CASTRO-GOMÉZ, Santiago. Introducción. IN: Indisciplinar las ciencias sociales. Quito: Universidad Andina Simón Bolívar/ Abya Yala, 2002, p. 14.
Vide, também: MISKOLCI, Richard. Feminismo y derechos humanos. IN: ESTÉVEZ, Ariadna & VÁSQUEZ, Daniel. Los derechos humanos en las ciencias sociales: una perspectiva multidisciplinaria. México: FLACSO, CISAN, 2010, p. 185; BUTLER, Judith. Deshacer el gênero. Madrid: Paidós, 2010, p. 14.
Fonte: http://www.seppir.gov.br/, acesso em: 28/11/2011.